quinta-feira, 8 de setembro de 2011

SANTA MARIA DE ITABIRA


Márcio Sampaio
Vem, amigo,
caminhemos nas veredas de Minas,
nas trilhas do tempo.
Teus olhos pousarão sobre uma paisagem e, aos poucos,
descobrirás, nesta, toda simplicidade,
uma canção, um sorriso, palavras fraternas.
Tuas mãos encontrarão, de repente, outras mãos.
Verás que todo mundo, aqui, é teu amigo.
Eu te apresento Santa Maria,
terra de amigos, a minha cidade.
É preciso, porém, desprendermos do agora,
virar a roda do tempo, reconquistar o passado,
raiz e início de tantas vidas que ora te festejam.

Embrenha, de mansinho, numa tarde calma,
setembro é quase findo -  e encontrarás,
entre verdes sombras e cintilantes luzes
o Córrego da Lage, a fazenda das Mamonas e a gameleira frondosa,
que, como a mãe carinhosa, abriga em suas sombras
os nossos sonhos de crianças e a nossa pressa de crescer e viver.

Depois, a estrada crispada de poeira que o sol transforma em ouro voador,
Nos levará pelo Lambari até a margem do Girau, até à cidade.
Tu não vês casinhas coloridas?
Não te parecem um presépio que as mãos ansiosas de crianças vão formando
e conformando aos seus sonhos, nas esperanças dos prêmios de Natal?
Santa Maria é mesmo um presépio de ano intero...

É setembro e as flores nos jardins rescendem o perfume da paz.
As chuvas não vieram, mas a esperança povoa as almas;
todos confiam na proteção de nossa Padroeira.
Ela jamais nos faltará.

Amigo, sê bem vindo!
Esta é a minha casa. Entra. A casa é tua também.
Não faz cerimônia, há sempre um lugar na mesa.
Logo verás que, em breve, nossos amigos, parentes
estarão conosco, no embalo de longa e gostosa conversa,
no convívio fraterno de nossas lembranças,
nas nossas vidas que se fazem história.

Vês aqui estes meninos, primos de muita ventura:
Dílio, Dilton, Ézio, Pio, os filhos de João Padeiro,
Helvécio, Zé Adelson, Zé Otávio, Enes e muitos outros que
daqui a pouco vão pra outras bandas cumprir seus destinos.
Agora, vamos brincar de manja em frente à casa das moças de Maurílio,
Descer o morro de carrinho, pescar lambari no córrego do pasto do Juquinha,
Tirar mandi nas águas de Dona Blandina, explorar os matos,
Tirar taquara pras gaiolas, tocar piano desafinado de Sá Siza.
Música incomum que sai daquela casa misteriosa, junto ao pouso dos tropeiros.

Vou te levar à casa de minha avó...
Conhecerás aquela velhinha boa, meiga,
com aquela bondade de quem sempre viveu para fazer o bem.
Tomarás café nas casas das comadres de minha mãe.
Um primo pagará uma cervejinha no bar do Nhonhô.
Ouvirás o Titino cantar modinhas antigas
e o Julinho tocar violão na barbearia do Farré.
Sentarás no banco da Prefeitura
e saberás as últimas notícias da cidade e do mundo;
ao redor, velhas estórias, mil vezes repetidas,
com o gosto da última novidade.

Santa Maria tem a sua história -
História simples como toda cidade.
Mas, que encantos, que maravilhas não a fazem cintilar!

A Rua do Rosário ensina ao mundo,
que esquerda e direita não é senão os dois lados de uma coisa,
e que a salvação tem uma cor muito simples
que se chama fé na justiça dos homens
e no patrocínio de Deus.

As casas da Rua do Rosário são pequenas contas
que marcam os Pai-Nossos e as Ave- Marias
e levam aos céus as ladainhas de esperanças.

A Rua Padre José Martins lembra antigos mistérios
Mergulhados na clara visão da misericórdia divina.
A Rua Nova renova todos os dias os caminhos da fé.

O Girau guarda em seu seio os cantos das aves
e sereias mergulhadas na areia das noites sem sono,
que as velhas histórias embalam.

Poção de Cima, Poção de Baixo, Poço Redondo, Rio Tanque, Chaves...
espaços de mistérios que completam a pintura deste quadro de saudade.

Amigo, trago da infância recordações felizes que te mostro agora:
O mês de maio tinha flores coloridas, tinha anjos de branco,
coroando, na igreja, a imagem de Nossa Senhora.
Eram anjos lindos, terrestres demais,
muitas vezes desentoados, chorões, com medo de cair
lá do alto do trono que o Policarpo fazia.
Muitos anjos caíam da escada, assustados com os foguetes que o Padre Estevam mandava o Doca soltar.

Amigo, trago da infância, este velho, magro, baixo, quase cego,
que respondia Santo Antônio por 200 réis.
Seu Catarina esmolava em dia certo
e contava coisas tão engraçadas!

Lembro-me da Salvina - velha negra -
 que trouxe do tempo da escravidão
aquelas músicas tristes que entoava aqui e ali,
nas casas amigas e era sempre aplaudida, de longe,
pela criançada, temerosa dos mistérios seculares de suas mãos musicais.

Supimpa, velho louco, que passava a noite cantando,
batendo os tambores de gasolina de Fábio,
como se fosse fantástica banda de percussão,
espalhando o sono das crianças, dentro da escuridão.
“Ele tinha um baú enorme”, diziam,
para guardar os meninos desobedientes...

Capilé gelado, com sua fábrica ambulante,
dono de segredos profissionais, sabedor de histórias lindas,
que contava aos meninos, sentados, um pouco medrosos, em volta da fogueira.

Zé Adão fazia Catirrita, melhor manteiga do país.
Eu acordava sempre às sete horas da madrugada
com as gordas gargalhadas atravessando as músicas
que Zé Adão, sempre alegre, entoava,
enquanto punha a máquina para trabalhar.

Um dia houve uma guerra na Europa,
muitos homens foram lutar;
foi uma guerra enorme e horrível que espalhou morte por toda a parte.
Lintz voltou, herói santamariense que, em campo de batalha,
sempre soube defender, com bravura, os sagrados direitos dos homens.

Das velhas histórias de um tempo nebuloso de heróis e gente simples,
Renasce Trajano Procópio – farmacêutico e mestre de cultura.
O legendário Salvador Pires que falava com os índios em Tupi e Guarani.

Dona Inácia, Dona Adelina, Dona Maricas, Dona Maria Pinto, Dona Anita,
Dona Irene Martins,  Dona Newta, Dona Irene Alvarenga, Dona Celeste,
Dona Dora, Dona Bia, Dona Milu, Dona Tereza e minha mestra Dona Laura,
a quem agora presto minha homenagem saudosa...
E ainda Sai Maricas e Dona Custódia – guardiãs da boa ordem da Escola.

Vamos, agora, amigo, assistir ao jogo de futebol.
O Santa Maria Esporte Clube se anima nas tardes de domingo,
com seus jogos movimentados, regados, quase sempre, com pontapés, pescoções.
Por isso, medrosos times de fora nos deram o honroso título
De Garrucheiros Futebol Briga.
Mas, não tenhas medo, amigo, não há perigo nenhum, é brincadeira.

Naquele tempo, nossa gente era pacífica, muito sociável,
e, no máximo, podia haver, em tempo de eleição,
alguns foguetinhos espocando na porta da casa da gente.

O mais grave crime, nesta cidade cometido,
foi o assalto ao Banco da Prefeitura.
Oh, não te assustes, amigo,
que não vamos enfrentar bandidos.
O banco roubado é este, em que, nas tardes
nos sentamos para amigáveis palestras.
Neste rústico banco de resistente cepa
Agüentando anos a fio o peso dos ricos e dos pobres,
dos poderosos e dos desamparados, te conta esta história:
Numa noite, os estudantes, depois do ensaio do teatro,
resolveram fazer uma brincadeira.
Levaram o banco para o mato, para que contasse aos vagalumes,
as mil histórias que, pacientemente, havia escutado.
Foi apenas um susto a mais para a cidade,
quando alguém, pela manhã, ao sentar-se, caiu no vazio:
“Roubaram o banco e eu quebrei a bunda!”
Movimenta-se a cidade em busca do precioso tesouro.
Chamam detetives, polícia e exército.
Encontrado o banco e descobertos os criminosos,
aos estudantes foi aplicado, com justiça, o castigo:
um bom sermão político, já que os ladrões crescidos
não aceitavam mais as merecidas palmadas no trazeiro.

As noites de lua cheia trazem as canções suaves.
É Chico de Zelina o principal seresteiro.
Também Julinho, Seu Joaquim, Maurício, Nem, andam pelas ruas, altas horas,
Namorados da lua e da terra.
Meia-noite, o violão de Julinho ecoa romanticamente
e um coro se eleva majestoso: Dilton, Breno, José Otávio, Adelson, Zé Pessoa.
As garotas, ouvidos encostados às janelas meio abertas, arrepiam-se de emoção.
Até mesmo os pássaros se contagiam
e, madrugada a fora, continuam a serenata.

Eu era muito criança, mas não me esqueço daquelas horas dançantes em casa de Iris.
Sim, amigo, toda a sociedade ia lá dançar.
O toca-discos de Sá Maria não parava.
Era bolero e mais bolero, fox-trot, até tango que os pares aplicados
floreavam pela sala.
Quantos casamentos não resultaram daquelas horas dançantes na casa de Iris!
Ora, amigo, quero apresentar-te Iris, esta minha amiga.
É ela quem faz brotar o entusiasmo em todos nós.
É ela que, incansável, nos contagia com sua vitalidade.

Dos teatros da Sede quem não se lembra?
Quem já esqueceu Igomer vestido de soldado romano, arrebentando  o cenário
com o susto de um foguetório inesperado? Ou do moleque Benedito?
E Dilza? A Etelvina que não fecha a boca um minuto!
E a preta Filisbina encarnada por Suzel?
Dilton representado, com muita realidade, o homem bêbado,
Tanta realidade mesmo, que depois de beber um litro da branquinha,
teve de terminar o espetáculo antes da hora.
E o Zé Pescoço, Julinho e Gusmão,
Lina, Stael e Terezinha – arrancando lágrimas e soluços
da cidade inteira que enchia o teatro?

Amigo, permita-me apresentar-te este homem,
este amanhecer sereno de um coração fecundo forjado em ferro.
Este homem que os melhores anos de sua vida
dedicou-se à educação das crianças de Santa Maria,
sem nunca medir sacrifícios – sempre trabalhando, duramente –
para que houvesse, em nossa terra, mais sabedoria, mais amor, mais justiça social.
Perdoe-me, amigo, se assim falo, tão sem modéstia
de Alberto Sampaio, meu pai!

Amigo, seria bom que ainda estivesse entre nós
um homem que, em todos os momentos de sua vida
demonstrou seu entusiasmo pelas coisas belas e simples de nossa terra e de nossa gente.
Alegre, sempre foi ele quem trouxe para nós a melhor diversão.
Com ela, elevou em muito o progresso de Santa Maria.
Imagino hoje, se vivo ainda fosse, a sua alegria
vendo os desfiles, as palestras, as reuniões...
Imagino-o entusiasmado com tudo
pondo seu cinema pra funcionar com esta luz tão clara
e feliz por poder nos proporcionar, novamente, os momentos de emoção de um bom Faroeste.
Seria bom, amigo, que tu conhecesses
o nosso saudoso Senhor Itagiba Barbosa.

Era um velhinho, amigo de todos,
com aquele cavanhaque branco,
aquela voz grave, aquela bengala toda trabalhada,
que nunca me fez medo, mas sempre me atraía, com balas,
as mangas, os aneis de cabo de escova.
Grande artista que era, bom velhinho que eu adorava.
Senhor Ademar Cabral, grande e saudoso amigo,
Quanta saudade deixou no coração da gente!

Amigo, eu te apresento esta senhora
que há anos os trabalhos embranqueceram-lhe a cabeça e encurvaram-lhe o corpo.
Dona Inácia Rosa da Silva esconde toda uma vida de árduo trabalho
sob este velho vestido de luto, sob este velho guarda-chuva,
andando vagarosamente pelas ruas da cidade, parando aqui e ali
para um dedo de prosa com uma mulher, com um velho,
com as crianças, sim, principalmente com as crianças...
Trago da infância, as bênçãos de Dona Inácia.
Eu era criança ainda e encantavam-me as palavras de Dona Inácia.
Estávamos, meus amigos e eu, brincando na areia,
Dona Inácia passava, olhava-nos ternamente...
Nós lhe pedíamos a bênção.
Ela sorria, meiga, parava e falava...
Falava coisas que nós, crianças, não entendíamos nada,
mas que permaneceram para sempre em nossa alma.
Educação moral, intelectual, religiosa, cívica...
Ela falava, falava, falava...
nós, sem compreender, às vezes achávamos graça.
Hoje compreendo bem:
Dona Inácia Rosa da Silva falou para o futuro.
Dona Inácia, mestra na escola e na rua,
crianças de ontem e de hoje, nós te saudamos!

Amigo, quero que conheças também,
um homem que influiu decisivamente na vida de nossa cidade.
Dias e noites, ele passou à cama dos doentes procurando vencer a morte,
Trazer de novo a alegria aos lares de Santa Maria.
Amigo, quero apresentar-te o médico
Dr José Inocêncio da Costa Júnior!

Repara, amigo, 
leve, rosando as brumas da madrugada, a jardineira.
Um dia Levy, um dia Rocyr.
Acordem, passageiros, é hora de ir.
Vamos indo, minha gente, pro país de Itabira!
Quatro horas de andança, mais quatro pra descansar...
Aventureiro, não desista de outros mundos conquistar.
O mundo começa na porta da jardineira e comporta choro e sonhos
e o riso ambulante de quem começa a ventura.
No caminho de Itabira, toda conquista te augura,
quem ficou na manhã fria à porta empoeirada
neste começo de vida, neste começo de estrada.

Esta viagem vai bem, pois um anjo te protege.
Seja dia, seja noite, faça chuva, faça sol...
Lama na estrada ou muito pó...
nos protege, nos anima, nosso anjo, Seo Jacob!
Madrugada pelas ruas, vai Jacob anunciar:
Tá na hora, minha gente, se levanta quem dormiu,
feche as malas quem abriu,
olhe o relógio quem não viu!
Buzina a jardineira, desce lépido Jacob:
Dá-me a mala, dá-me a trouxa...
sobe depressa pro poleiro, arruma, aperta a que está frouxa!
Desce Jacob, bem ligeiro,
vão embora, sem chorar,
pra rir é ano inteiro, a viagem é coisa à toa,
a jardineira tá muito boa, Itabira é ali mesmo.

Tenho saudades daquele tempo,
das alvoradas e das retretas,
da banda de música de Santa Maria...
aqueles dobrados que me enchiam a alma do mais ardoroso entusiasmo.
Era bom que o povo se animasse
e a banda continuasse
as suas retretas na praça da Igreja...

Um dia foi um homem em casa e levou um remédio ruim para eu tomar.
Olhou se eu tinha febre, olhou a garganta, auscultou o coração,
contou uma história, sorriu.
De uma rara inteligência, mais que farmacêutico,
médico bondoso, sincero, amigo, grande homem,
nome que honra Santa Maria.
Eu te apresento o farmacêutico Agenor Guerra.

Amigo, olha o céu que se cobre nesta tarde de setembro!
É pena não teres conhecido uma figura meiga e serena
que todas as tardes, como essa, por aqui passava,
sorria, dizia algumas palavras carinhosas,
numa mistura de Português e Italiano.
E depois, entrava, vagarosamente, na igreja.
Pena que não tenhas conhecido o saudoso Padre Estevam!

Padre Estevam Afonso Maria Viparelli,
com suas procissões bonitas, foguetes pipocando, sinos repicando...
levando imagens de santos pelas ruas,
entregando-as às casas piedosas até que consertasse a igreja.
Pena que não tenhas conhecido Padre Estevam,
com suas missas atrasadas,
com seus catecismos em véspera de Primeira Comunhão dos meninos,
com sua bondade, sua simplicidade,
com aquela extraordinária humildade diante da vida.

Aquele homem velho – nunca cansado –
Aquele santo – mais que santo,
um padre saído de uma aristocrática família italiana,
herdeiro  de tradições de honra e sabedoria,
herdeiro de pesado brasão dourado.
Lá deixou todas as honrarias e chegou um dia – milagre divino –
à nossa cidade!

É pena, amigo, que não tenhas conhecido a dignidade do Padre Estevam
Diante de todos os mistérios, de todos os ultrajes
e a santidade que o envolveu até a morte e,
tenho certeza, de que depois da morte,
por toda a eternidade!

Vê, amigo, tu já conheces um pouco de Santa Maria,
conheces uma cidade em que todos trabalham,
todos se compreendem, se irmanam, todos dão de si o melhor
pra que haja sempre justiça, paz e amor...


















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