sexta-feira, 9 de setembro de 2011

SANTA MARIA DE ITABIRA NO TEMPO E NA HISTÓRIA



                            “Santa Maria tem sua história
História simples como toda cidade
                           Mas, que encantos, que maravilhas não fazem cintilar(...)”

Márcio Sampaio


Em busca de ouro e pedras preciosas, os bandeirantes iam palmilhando as montanhas e os sertões, descobrindo lavras, instalando fazendas, fundando povoados e colonizando a imensidão das Gerais. Quando se embrenharam pelas matas do Nordeste de Minas, entre eles, Borba Gato, Francisco de Faria Albernás e seus irmãos, surgiu Itabira, em torno de uma capela coberta de colmo, construída junto ao garimpo da Fonte do Prata, que o padre Manoel do Rosário e o bandeirante João Teixeira Ramos já haviam descoberto por volta de 1705. Essa região era conhecida pelos bandeirantes como Sertão da Matas dos Cocais.

Tomando como ponto de referência o imponente Pico do Itambé, próximo à uma jazida descoberta, garimpeiros e fazendeiros foram chegando e, outras lavras, fazendas e povoados foram surgindo. Dentre eles, Santa Maria de Itabira.

Nossa Senhora do Rosário de Santa Maria de Itabira. Este foi o primeiro nome do povoado que virou município em 1º de janeiro de 1944. Como aconteceu em Itabira o povoado cresceu em torno de uma capela, construída em louvor a Nossa Senhora do Rosário e sua história remonta séculos. É provável que o povoado tenha começado a se formar ainda no século XVII e que o nome tenha vindo da Fazenda Santa Maria de propriedade do fazendeiro Francisco de Paula e Silva Santa Maria com sede onde hoje está localizado o cemitério.

Há uma versão histórica, entre outras, também aceita, de que o povoado teria se formado a partir de um quilombo próximo de onde hoje está a sede do município, criado por escravos fugidos de fazendas da região.

A data mais antiga e precisa de sua história foi encontrada em documentos localizados na Prefeitura de Itabira (município do qual Santa Maria foi distrito até 1943). Neles pode-se saber que o povoado se formou nos tempos da corrida do ouro na região. E contam que o primeiro Cartório de Paz foi instalado em quatro de maio de 1834 e os primeiros atos civis registrados (ou pelo menos recuperados) mostram: um casamento em 19 de junho de 1890, um nascimento em dois de dezembro de 1890 e um óbito em 24 de janeiro de 1891.

Primeira Igreja

Santa Maria de Itabira foi um povoado que surgiu nos meados do século XVIII, ao redor da capela e posteriormente Igreja Matriz, criando a freguesia de Nossa Senhora do Rosário de Santa Maria de Itabira em 15 de Setembro de 1870.  A essa altura, o arraial era descrito como tendo “um adro, em frente à porta principal da capela, com 150 palmos quadrados (32m², aproximadamente). Deste adro nasceu uma rua estreita, que seguiu em linha reta até a entrada que vai para Ferros”, (hoje Rua Padre José Martins) (...).

O juiz de Paz do distrito de Santa Maria, senhor Francisco Jácome, em uma carta diz o seguinte: “neste distrito tem uma pequena povoação, uma capela e o cemitério. Apesar de ser um bom lugar e no centro do distrito passar uma bem freqüentada estrada, não existem ruas. Existem algumas casas simples, mas tudo tem atraso por falta de um sacerdote.”

No ano de 1956, o Padre Luís Moreira Costa registra que “a única igreja existente é muito pequena, com área inferior a 300 metros quadrados e de traços desairosos, flagrante contraste com o estilo da cidade. Anseio ardente e constante de todos os católicos a construção de um templo à altura de seu espírito de fé e que enquadra com gosto nas linhas da progressista cidade. Confiados na graça de Deus esperamos ver concretizado, em breve, nosso ardente desejo.”

Emancipação política muda os rumos da cidade

No início do século XX Santa Maria de Itabira permanecia pobre, sem ainda conseguir desenhar suas perspectivas, apesar de alguns avanços. Tinha um anseio político de se transformar em município, para caminhar com os próprios pés, ou cabeças, ganhar liberdade para decidir o que mais convinha à sua comunidade.

Possivelmente tenha contribuído para acelerar o processo de emancipação, o decreto-lei federal de 17 de dezembro de 1938, que simplificou o nome do Distrito Itabirano: de Nossa Senhora de Santa Maria do Itabira para Santa Maria de Itabira.

Nesse momento, um grupo de santamariense já se mobilizava, buscando a emancipação política da cidade. O movimento teve os seguintes membros à frente de sua comissão: José Inocêncio da Costa Júnior, Francisco Samuel da Costa Lage, Ernesto Procópio Duarte, Agenor Custódio Martins Guerra, José Mariano Pires, João Batista Carneiro Pires, Sávio Moreira Guerra e Alberto Sampaio.

O decreto-lei foi assinado no dia 31/12/43 e publicado no “Minas Gerais” (órgão oficial do Governo do Estado) no dia primeiro de Janeiro de 1944, um sábado. Devido as dificuldades dos meios de transportes, o jornal demoraria a chegar ao novo município. Assim, a tão esperada notícia chegou via telegrama no mesmo primeiro de janeiro, enviado por Camilo de Faria Alvim, que era membro do Conselho Administrativo do Estado e grande amigo de Santa Maria, dirigida a José Inocêncio da Costa Júnior.

Festa na nova Cidade! Santa Maria de Itabira virou município! No Salão do Grupo Escolar “Trajano Procópio”, organizou-se uma reunião solene, no mesmo primeiro de Janeiro, às 15 horas, para efetivar a emancipação política de Santa Maria. Presidiu a sessão, o juiz de paz da cidade, Sebastião de Alvarenga Bretas, que, depois de decretar o novo município, concluiu assim o discurso oficial: Assim, fique registrado na história da pátria para conhecimento de todos os brasileiros e perpétua lembrança das gerações vindouras. Honra ao Brasil uno e indivisível. Paz ao Brasil rico e forte. Glória ao Brasil desejoso do bem e do progresso nos melhores sentimentos de solidariedade humana”.

Assinaram a ata de inauguração do município de Santa Maria de Itabira todos os membros da Comissão incluindo: Sebastião de Alvarenga Bretas, Padre Estevam Afonso Maria Viparelli, José Dias de Oliveira e José da Silva Braga.

Santa Maria, psiu! É hora de crescer...

O município foi crescendo devagar, sem grandes evoluções até a década de 20. Tinha sonhos e necessidades de uma evolução maior. Assim em maio de 1920, Santa Maria passou a contar com serviço de telégrafo e de água canalizada, mas, muito precários.
   
O calçamento dos passeios (mais tarde das ruas) veio também nesta década, quando era prefeito de Itabira o coronel Antônio Linhares Guerra. O distrito ganhava com tais progressos, ares de urbanização. Mas o calçamento em pedras em formas de poliedro, ganhou um apelido em Santa Maria de “pé-de-moleque” e deu muita história para contar. Também porque dificultava as madames de caminhar de salto alto. As então duas ruas da cidade ganharam calçamento: a do Rosário e sua continuação, a Rua Padre José Martins.

Somente no exercício de 1951 quando o prefeito era Sávio Moreira Guerra, se obteve-se uma solução razoável para o abastecimento de água com a construção de um novo reservatório, com capacidade para 60 mil litros.

O mesmo pode-se dizer da rede de esgoto e da energia elétrica. Existiam, mas eram extremamente deficientes. “E não havia dinheiro, na época, que sobrasse para soluções definitivas ou menos adequadas”. “A luz era tão fraca, conta Elza Guerra Lage, que se tínhamos que procurar alguma coisa num armário, era preciso utilizar uma vela”. Marisa Guerra lembra que “gostava de ler e era preciso dormir mais tarde, pois assim haveria menos lâmpadas acesas na cidade e a luz da sua casa ficava mais forte.”

Somente a partir de 1967 é que Santa Maria de Itabira passou a ser bem iluminada. A energia chegou para valer, através da Cemig. A água passou a ser tratada e distribuída pela Copasa.

Tais progressos apontavam para uma necessidade de evolução política, econômica e social. Havia um desejo forte na comunidade: Santa Maria precisava sair de sua quietude, ganhar nova dinâmica, conquistar sua autonomia e concretizar os sonhos de evolução.

    O primeiro automóvel foi adquirido pelo Sr. Sebastião de Alvarenga Bretas.
    O primeiro cinema era do Sr. Itagiba Barbosa.
    O primeiro telefone foi instalado na fazenda do Sr. Casemiro Andrade.

Evolução política

No dia cinco de janeiro de 1944, foi nomeado pelo Governo do Estado o primeiro prefeito de Santa Maria de Itabira, chamado de intendente. José Inocêncio da Costa Júnior, médico, nascido em Teófilo Otoni e radicado na cidade desde sua formatura, tomou posse no dia 11 de janeiro.

Desta data até novembro de 1947, antes da posse do primeiro prefeito eleito pelo povo, Santa Maria experimentou uma sucessão de intendentes, nomeados pelo governo. Isto se deveu a confusa situação política do país na época, período final da Ditadura Vargas. O posto foi trocado por seis vezes:
1º: José Inocêncio da Costa Júnior,
2º: Sebastião Muniz de Oliveira,
3º: José Inocêncio da Costa Júnior (neste período a secretária da Prefeitura, Maria da Glória de Assis, também responsável por parte importante da memória escrita de Santa Maria, ficou durante 15 dias no comando da administração do município);
4º: Sávio Moreira Guerra;
5º: Ariosto Procópio de Alvarenga Monteiro;
6º: Heitor da Costa Lage.

No entanto, foi nesta década que a cidade começou a acordar em busca de soluções mais eficientes para os seus problemas, que se tornavam mais graves, com o crescimento da cidade, sem contar as deficiências de suas vilas e distritos.

Os Prefeitos

Na eleição de 23 de novembro de 1947, foi eleito o primeiro prefeito de Santa Maria de Itabira. Pela ordem governaram a cidade:
José Inocêncio da Costa Júnior (1947 a 1950);
Sávio Moreira Guerra (1951 a 1954);
José Mariano Pires (1955 a 1958);
Ildeu Bretas de Assis (1959 a 1962);
Geraldo Guerra de Carvalho (1963 a 1966);
José Inocêncio da Costa Júnior (1967 a 1969), quando morreu. No período de junho a outubro de 1969, o vice prefeito, Brás Procópio Torres Monteiro assumiu o cargo;
Brás Procópio Torres Monteiro ( outubro de 1969 a 1970);
Casemiro Andrade Neto (1972 a 1973);
Ildeu Bretas de Assis (1973 a 1976);
Plínio de Assis Lage (1977 a 1981);
Casemiro Andrade Neto (1983 a 1988);
Robésio de Alvarenga Duarte (1989 a 1992);
Casemiro Andrade Neto (1993 a 1996);
Maria Duartina Guerra dos Santos, (1997 a 2000);
Gerson de Ramos Gonçalves (2001) quando faleceu a 07/06/2001, assumindo o vice prefeito, Aércio Alvarenga da Silva (2001 a 2004);
Aércio Alvarenga da Silva (2005 a 2008);
Geraldo Coelho do Nascimento (2009 a 2012).

Educação e Cultura

No dia seis de fevereiro de 1923, Santa Maria de Itabira ganhou sua primeira e bem montada escola graças à luta e ao ideal do farmacêutico e líder da comunidade, Trajano Procópio de Alvarenga Silva Monteiro. As primeiras professoras da hoje Escola Municipal “Trajano Procópio” foram: Inácia Rosa da Silva, Maria Sebastiana Pires e Adelina de Alvarenga.

Pelos anos de 1956, um grupo de educadores e pessoas da comunidade, preocupados com a educação dos jovens que terminavam o curso primário, e não tinham condições de pagar estudos em escolas nas cidades vizinhas, iniciaram uma campanha para adquirir dinheiro e equipamentos necessários para a instalação de um Ginásio na cidade. Os pais que tinham algum recurso financeiro mandavam seus filhos para estudar nas cidades de Ouro Preto, Caraça, Belo Horizonte e as filhas para o Internato no Colégio Nossa Senhora das Dores na cidade de Itabira. No dia 16 de março de 1958, o Inspetor Seccional Sebastião de Sá lavrou o ato nº. 8 que concedeu ao Ginásio “Trajano Procópio” de Santa Maria de Itabira, autorização para funcionar. E neste mesmo dia iniciaram-se as aulas. O Ginásio em Santa Maria tornou-se realidade. Em 1985, o Prefeito Municipal, atendendo à uma reivindicação da comunidade santamariense, que ansiava por uma escola pública, conseguiu do Governo Estadual a criação da Escola Estadual “Santa Maria” com o Curso de 1º grau, de 5ª à 8ª séries e de 2º grau, com as habilitações de “Magistério” e “Técnico em Agricultura”.

Para atender a demanda de alunos, a Secretaria de Estado da Educação, através do Decreto nº 11688 de 20/02/1969 criou a Escola Estadual “Dr Costa” que atende alunos dos anos iniciais e finais do Ensino Fundamental e alunos do Ensino Médio.

Em janeiro de 1964 surgiu o primeiro jornal de Santa Maria:“O Garrucheiro” editado por Márcio Sampaio, Dilton, Adelson e Esio Procópio. Um jornal cultural e em defesa do crescimento da cidade. Mais tarde, já nos anos 80, o santamariense Anselmo Martins da Costa ressuscitou o “Garrucheiro”, que circulou durante alguns meses.

O Congado e a cavalgada são festas tradicionais que acontecem todo ano no município. A cavalgada acontece com shows, concursos de marcha, mirim, garota amazonas e provas diversas, tornando-se assim a principal atração turística do município.

Velhos tempos de muitas histórias e muitas conquistas. Muitas transformações.

Aspectos Físicos de Santa Maria de Itabira
O município de Santa Maria de Itabira está localizado na região central do estado, no circuito da Estrada Real em uma área que abrange 510 km, no centro leste de Minas Gerais, ligada à BR 262 pela MGC 120. MGMGC-120MGC-12 mgA sede do município se encontra a 132 km de Belo Horizonte, e  limita com Itabira, Ferros, Itambé do Mato Dentro, Passabém, Nova Era e Antônio Dias.

A população de Santa Maria de Itabira segundo o Censo do IBGE/2010 é de 10.561 habitantes. A temperatura média é de 19º C e o clima é o tropical de altitude e a temperatura média anual é de 25,1°C. É uma região rica em recursos minerais.

O relevo da região apresenta-se em forma de planaltos arredondados com altitude máxima de 1190 metros onde se destacam as serras do Morro Escuro e da Cambraia. O solo é argiloso e de fácil decomposição sendo a topografia acidentada, fatores estes que dificultam o desenvolvimento da agricultura na região. A vegetação, descaracterizada pelas atividades agrícolas, se apresenta em forma de cerrado e algumas manchas de remanescentes de Mata Atlântica que em sua maior parte é usada como pastagens. Da mata ciliar só resta menos de 3m à margem do rio Girau, nos bairros Nova Santa Maria, Lambari e União.

Hidrografia

A cidade é cortada pelo Rio Girau que se encontra com o Rio Tanque nos arredores da cidade. O Rio Tanque é afluente do Rio Santo Antônio, que por sua vez deságua no Rio Doce. Está situada em uma região de vale em que nas proximidades se encontram vários córregos, nascentes e cachoeiras.

Economia: Evolução Urbana e de serviços

Santa Maria de Itabira possui em seu território um distrito: Itauninha e vários povoados: Angelim, Barro Preto, Baú, Baú-Simão, Bela Vista, Biboca, Boa Vista, Bom Jardim, Cachoeira Alta, Chácara, Comandante, Cordeiros, Córrego da Bernarda, Córrego da Lage, Córrego das Almas, Córrego das Flores, Córrego Frio, Córrego Grande, Corrente, Cotovelo, Cubas, Cuité, Cutia, Dona Rita, Esbarro, Esperança, Felipe, Fernandinho, Ferrugem, Florença, Fogão de Lenha, Fundão, Funil, Gomes, Inhame, Jardim, Jatobá, Lavoura, Limeira, Macuco, Mandembo, Mendonça, Morro Escuro, Morro Queimado, Motas, Oriente, Palha, Palmeiras, Paneleiro, Pedras, Poção, Progresso, Quebra Canjica, Queiroz, Quenta-Sol, Santa Fé, São Francisco, São Marcos, São Pedro, Soares, Sororó, Taquaraçu e Tatu.
    
A cidade é dividida pelos bairros: Centro, Poção, Nova Santa Maria, Cidade Nova, Conselho, Borges, Barra, Vila Marília, Chaves, Confinamento do Sossego, Lambari, Vila Rocyr, Vista Alegre e União.

Vê, amigo, tu já conheces um pouco de Santa Maria,
conheces uma cidade em que todos trabalham,
todos se compreendem, se irmanam, todos dão de si o melhor
pra que haja sempre justiça, paz e amor...
Márcio Sampaio
BIBLIOGRAFIA

Atos da Caminhada de um povo – Paróquia de Nossa Senhora do Rosário, 2004

Histórico e Dados do Município – Secretaria Municipal de Educação e
Cultura/ atualizado

Paróquia Nossa Senhora do Rosário, Livro de Tombo de Paróquia de Santa Maria de Itabira, 1934 a 1955.

SENNA, Nelson de , Chorographico de Minas Gerais. 1909, pág. 609

VASCONCELOS, Silvio de, Arquitetura no Brasil Sistemas 2 Construtivos. Universidade Federal de Minas Gerais 5ª edição revista. Belo Horizonte. 1979.
  
   

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

SANTA MARIA DE ITABIRA


Márcio Sampaio
Vem, amigo,
caminhemos nas veredas de Minas,
nas trilhas do tempo.
Teus olhos pousarão sobre uma paisagem e, aos poucos,
descobrirás, nesta, toda simplicidade,
uma canção, um sorriso, palavras fraternas.
Tuas mãos encontrarão, de repente, outras mãos.
Verás que todo mundo, aqui, é teu amigo.
Eu te apresento Santa Maria,
terra de amigos, a minha cidade.
É preciso, porém, desprendermos do agora,
virar a roda do tempo, reconquistar o passado,
raiz e início de tantas vidas que ora te festejam.

Embrenha, de mansinho, numa tarde calma,
setembro é quase findo -  e encontrarás,
entre verdes sombras e cintilantes luzes
o Córrego da Lage, a fazenda das Mamonas e a gameleira frondosa,
que, como a mãe carinhosa, abriga em suas sombras
os nossos sonhos de crianças e a nossa pressa de crescer e viver.

Depois, a estrada crispada de poeira que o sol transforma em ouro voador,
Nos levará pelo Lambari até a margem do Girau, até à cidade.
Tu não vês casinhas coloridas?
Não te parecem um presépio que as mãos ansiosas de crianças vão formando
e conformando aos seus sonhos, nas esperanças dos prêmios de Natal?
Santa Maria é mesmo um presépio de ano intero...

É setembro e as flores nos jardins rescendem o perfume da paz.
As chuvas não vieram, mas a esperança povoa as almas;
todos confiam na proteção de nossa Padroeira.
Ela jamais nos faltará.

Amigo, sê bem vindo!
Esta é a minha casa. Entra. A casa é tua também.
Não faz cerimônia, há sempre um lugar na mesa.
Logo verás que, em breve, nossos amigos, parentes
estarão conosco, no embalo de longa e gostosa conversa,
no convívio fraterno de nossas lembranças,
nas nossas vidas que se fazem história.

Vês aqui estes meninos, primos de muita ventura:
Dílio, Dilton, Ézio, Pio, os filhos de João Padeiro,
Helvécio, Zé Adelson, Zé Otávio, Enes e muitos outros que
daqui a pouco vão pra outras bandas cumprir seus destinos.
Agora, vamos brincar de manja em frente à casa das moças de Maurílio,
Descer o morro de carrinho, pescar lambari no córrego do pasto do Juquinha,
Tirar mandi nas águas de Dona Blandina, explorar os matos,
Tirar taquara pras gaiolas, tocar piano desafinado de Sá Siza.
Música incomum que sai daquela casa misteriosa, junto ao pouso dos tropeiros.

Vou te levar à casa de minha avó...
Conhecerás aquela velhinha boa, meiga,
com aquela bondade de quem sempre viveu para fazer o bem.
Tomarás café nas casas das comadres de minha mãe.
Um primo pagará uma cervejinha no bar do Nhonhô.
Ouvirás o Titino cantar modinhas antigas
e o Julinho tocar violão na barbearia do Farré.
Sentarás no banco da Prefeitura
e saberás as últimas notícias da cidade e do mundo;
ao redor, velhas estórias, mil vezes repetidas,
com o gosto da última novidade.

Santa Maria tem a sua história -
História simples como toda cidade.
Mas, que encantos, que maravilhas não a fazem cintilar!

A Rua do Rosário ensina ao mundo,
que esquerda e direita não é senão os dois lados de uma coisa,
e que a salvação tem uma cor muito simples
que se chama fé na justiça dos homens
e no patrocínio de Deus.

As casas da Rua do Rosário são pequenas contas
que marcam os Pai-Nossos e as Ave- Marias
e levam aos céus as ladainhas de esperanças.

A Rua Padre José Martins lembra antigos mistérios
Mergulhados na clara visão da misericórdia divina.
A Rua Nova renova todos os dias os caminhos da fé.

O Girau guarda em seu seio os cantos das aves
e sereias mergulhadas na areia das noites sem sono,
que as velhas histórias embalam.

Poção de Cima, Poção de Baixo, Poço Redondo, Rio Tanque, Chaves...
espaços de mistérios que completam a pintura deste quadro de saudade.

Amigo, trago da infância recordações felizes que te mostro agora:
O mês de maio tinha flores coloridas, tinha anjos de branco,
coroando, na igreja, a imagem de Nossa Senhora.
Eram anjos lindos, terrestres demais,
muitas vezes desentoados, chorões, com medo de cair
lá do alto do trono que o Policarpo fazia.
Muitos anjos caíam da escada, assustados com os foguetes que o Padre Estevam mandava o Doca soltar.

Amigo, trago da infância, este velho, magro, baixo, quase cego,
que respondia Santo Antônio por 200 réis.
Seu Catarina esmolava em dia certo
e contava coisas tão engraçadas!

Lembro-me da Salvina - velha negra -
 que trouxe do tempo da escravidão
aquelas músicas tristes que entoava aqui e ali,
nas casas amigas e era sempre aplaudida, de longe,
pela criançada, temerosa dos mistérios seculares de suas mãos musicais.

Supimpa, velho louco, que passava a noite cantando,
batendo os tambores de gasolina de Fábio,
como se fosse fantástica banda de percussão,
espalhando o sono das crianças, dentro da escuridão.
“Ele tinha um baú enorme”, diziam,
para guardar os meninos desobedientes...

Capilé gelado, com sua fábrica ambulante,
dono de segredos profissionais, sabedor de histórias lindas,
que contava aos meninos, sentados, um pouco medrosos, em volta da fogueira.

Zé Adão fazia Catirrita, melhor manteiga do país.
Eu acordava sempre às sete horas da madrugada
com as gordas gargalhadas atravessando as músicas
que Zé Adão, sempre alegre, entoava,
enquanto punha a máquina para trabalhar.

Um dia houve uma guerra na Europa,
muitos homens foram lutar;
foi uma guerra enorme e horrível que espalhou morte por toda a parte.
Lintz voltou, herói santamariense que, em campo de batalha,
sempre soube defender, com bravura, os sagrados direitos dos homens.

Das velhas histórias de um tempo nebuloso de heróis e gente simples,
Renasce Trajano Procópio – farmacêutico e mestre de cultura.
O legendário Salvador Pires que falava com os índios em Tupi e Guarani.

Dona Inácia, Dona Adelina, Dona Maricas, Dona Maria Pinto, Dona Anita,
Dona Irene Martins,  Dona Newta, Dona Irene Alvarenga, Dona Celeste,
Dona Dora, Dona Bia, Dona Milu, Dona Tereza e minha mestra Dona Laura,
a quem agora presto minha homenagem saudosa...
E ainda Sai Maricas e Dona Custódia – guardiãs da boa ordem da Escola.

Vamos, agora, amigo, assistir ao jogo de futebol.
O Santa Maria Esporte Clube se anima nas tardes de domingo,
com seus jogos movimentados, regados, quase sempre, com pontapés, pescoções.
Por isso, medrosos times de fora nos deram o honroso título
De Garrucheiros Futebol Briga.
Mas, não tenhas medo, amigo, não há perigo nenhum, é brincadeira.

Naquele tempo, nossa gente era pacífica, muito sociável,
e, no máximo, podia haver, em tempo de eleição,
alguns foguetinhos espocando na porta da casa da gente.

O mais grave crime, nesta cidade cometido,
foi o assalto ao Banco da Prefeitura.
Oh, não te assustes, amigo,
que não vamos enfrentar bandidos.
O banco roubado é este, em que, nas tardes
nos sentamos para amigáveis palestras.
Neste rústico banco de resistente cepa
Agüentando anos a fio o peso dos ricos e dos pobres,
dos poderosos e dos desamparados, te conta esta história:
Numa noite, os estudantes, depois do ensaio do teatro,
resolveram fazer uma brincadeira.
Levaram o banco para o mato, para que contasse aos vagalumes,
as mil histórias que, pacientemente, havia escutado.
Foi apenas um susto a mais para a cidade,
quando alguém, pela manhã, ao sentar-se, caiu no vazio:
“Roubaram o banco e eu quebrei a bunda!”
Movimenta-se a cidade em busca do precioso tesouro.
Chamam detetives, polícia e exército.
Encontrado o banco e descobertos os criminosos,
aos estudantes foi aplicado, com justiça, o castigo:
um bom sermão político, já que os ladrões crescidos
não aceitavam mais as merecidas palmadas no trazeiro.

As noites de lua cheia trazem as canções suaves.
É Chico de Zelina o principal seresteiro.
Também Julinho, Seu Joaquim, Maurício, Nem, andam pelas ruas, altas horas,
Namorados da lua e da terra.
Meia-noite, o violão de Julinho ecoa romanticamente
e um coro se eleva majestoso: Dilton, Breno, José Otávio, Adelson, Zé Pessoa.
As garotas, ouvidos encostados às janelas meio abertas, arrepiam-se de emoção.
Até mesmo os pássaros se contagiam
e, madrugada a fora, continuam a serenata.

Eu era muito criança, mas não me esqueço daquelas horas dançantes em casa de Iris.
Sim, amigo, toda a sociedade ia lá dançar.
O toca-discos de Sá Maria não parava.
Era bolero e mais bolero, fox-trot, até tango que os pares aplicados
floreavam pela sala.
Quantos casamentos não resultaram daquelas horas dançantes na casa de Iris!
Ora, amigo, quero apresentar-te Iris, esta minha amiga.
É ela quem faz brotar o entusiasmo em todos nós.
É ela que, incansável, nos contagia com sua vitalidade.

Dos teatros da Sede quem não se lembra?
Quem já esqueceu Igomer vestido de soldado romano, arrebentando  o cenário
com o susto de um foguetório inesperado? Ou do moleque Benedito?
E Dilza? A Etelvina que não fecha a boca um minuto!
E a preta Filisbina encarnada por Suzel?
Dilton representado, com muita realidade, o homem bêbado,
Tanta realidade mesmo, que depois de beber um litro da branquinha,
teve de terminar o espetáculo antes da hora.
E o Zé Pescoço, Julinho e Gusmão,
Lina, Stael e Terezinha – arrancando lágrimas e soluços
da cidade inteira que enchia o teatro?

Amigo, permita-me apresentar-te este homem,
este amanhecer sereno de um coração fecundo forjado em ferro.
Este homem que os melhores anos de sua vida
dedicou-se à educação das crianças de Santa Maria,
sem nunca medir sacrifícios – sempre trabalhando, duramente –
para que houvesse, em nossa terra, mais sabedoria, mais amor, mais justiça social.
Perdoe-me, amigo, se assim falo, tão sem modéstia
de Alberto Sampaio, meu pai!

Amigo, seria bom que ainda estivesse entre nós
um homem que, em todos os momentos de sua vida
demonstrou seu entusiasmo pelas coisas belas e simples de nossa terra e de nossa gente.
Alegre, sempre foi ele quem trouxe para nós a melhor diversão.
Com ela, elevou em muito o progresso de Santa Maria.
Imagino hoje, se vivo ainda fosse, a sua alegria
vendo os desfiles, as palestras, as reuniões...
Imagino-o entusiasmado com tudo
pondo seu cinema pra funcionar com esta luz tão clara
e feliz por poder nos proporcionar, novamente, os momentos de emoção de um bom Faroeste.
Seria bom, amigo, que tu conhecesses
o nosso saudoso Senhor Itagiba Barbosa.

Era um velhinho, amigo de todos,
com aquele cavanhaque branco,
aquela voz grave, aquela bengala toda trabalhada,
que nunca me fez medo, mas sempre me atraía, com balas,
as mangas, os aneis de cabo de escova.
Grande artista que era, bom velhinho que eu adorava.
Senhor Ademar Cabral, grande e saudoso amigo,
Quanta saudade deixou no coração da gente!

Amigo, eu te apresento esta senhora
que há anos os trabalhos embranqueceram-lhe a cabeça e encurvaram-lhe o corpo.
Dona Inácia Rosa da Silva esconde toda uma vida de árduo trabalho
sob este velho vestido de luto, sob este velho guarda-chuva,
andando vagarosamente pelas ruas da cidade, parando aqui e ali
para um dedo de prosa com uma mulher, com um velho,
com as crianças, sim, principalmente com as crianças...
Trago da infância, as bênçãos de Dona Inácia.
Eu era criança ainda e encantavam-me as palavras de Dona Inácia.
Estávamos, meus amigos e eu, brincando na areia,
Dona Inácia passava, olhava-nos ternamente...
Nós lhe pedíamos a bênção.
Ela sorria, meiga, parava e falava...
Falava coisas que nós, crianças, não entendíamos nada,
mas que permaneceram para sempre em nossa alma.
Educação moral, intelectual, religiosa, cívica...
Ela falava, falava, falava...
nós, sem compreender, às vezes achávamos graça.
Hoje compreendo bem:
Dona Inácia Rosa da Silva falou para o futuro.
Dona Inácia, mestra na escola e na rua,
crianças de ontem e de hoje, nós te saudamos!

Amigo, quero que conheças também,
um homem que influiu decisivamente na vida de nossa cidade.
Dias e noites, ele passou à cama dos doentes procurando vencer a morte,
Trazer de novo a alegria aos lares de Santa Maria.
Amigo, quero apresentar-te o médico
Dr José Inocêncio da Costa Júnior!

Repara, amigo, 
leve, rosando as brumas da madrugada, a jardineira.
Um dia Levy, um dia Rocyr.
Acordem, passageiros, é hora de ir.
Vamos indo, minha gente, pro país de Itabira!
Quatro horas de andança, mais quatro pra descansar...
Aventureiro, não desista de outros mundos conquistar.
O mundo começa na porta da jardineira e comporta choro e sonhos
e o riso ambulante de quem começa a ventura.
No caminho de Itabira, toda conquista te augura,
quem ficou na manhã fria à porta empoeirada
neste começo de vida, neste começo de estrada.

Esta viagem vai bem, pois um anjo te protege.
Seja dia, seja noite, faça chuva, faça sol...
Lama na estrada ou muito pó...
nos protege, nos anima, nosso anjo, Seo Jacob!
Madrugada pelas ruas, vai Jacob anunciar:
Tá na hora, minha gente, se levanta quem dormiu,
feche as malas quem abriu,
olhe o relógio quem não viu!
Buzina a jardineira, desce lépido Jacob:
Dá-me a mala, dá-me a trouxa...
sobe depressa pro poleiro, arruma, aperta a que está frouxa!
Desce Jacob, bem ligeiro,
vão embora, sem chorar,
pra rir é ano inteiro, a viagem é coisa à toa,
a jardineira tá muito boa, Itabira é ali mesmo.

Tenho saudades daquele tempo,
das alvoradas e das retretas,
da banda de música de Santa Maria...
aqueles dobrados que me enchiam a alma do mais ardoroso entusiasmo.
Era bom que o povo se animasse
e a banda continuasse
as suas retretas na praça da Igreja...

Um dia foi um homem em casa e levou um remédio ruim para eu tomar.
Olhou se eu tinha febre, olhou a garganta, auscultou o coração,
contou uma história, sorriu.
De uma rara inteligência, mais que farmacêutico,
médico bondoso, sincero, amigo, grande homem,
nome que honra Santa Maria.
Eu te apresento o farmacêutico Agenor Guerra.

Amigo, olha o céu que se cobre nesta tarde de setembro!
É pena não teres conhecido uma figura meiga e serena
que todas as tardes, como essa, por aqui passava,
sorria, dizia algumas palavras carinhosas,
numa mistura de Português e Italiano.
E depois, entrava, vagarosamente, na igreja.
Pena que não tenhas conhecido o saudoso Padre Estevam!

Padre Estevam Afonso Maria Viparelli,
com suas procissões bonitas, foguetes pipocando, sinos repicando...
levando imagens de santos pelas ruas,
entregando-as às casas piedosas até que consertasse a igreja.
Pena que não tenhas conhecido Padre Estevam,
com suas missas atrasadas,
com seus catecismos em véspera de Primeira Comunhão dos meninos,
com sua bondade, sua simplicidade,
com aquela extraordinária humildade diante da vida.

Aquele homem velho – nunca cansado –
Aquele santo – mais que santo,
um padre saído de uma aristocrática família italiana,
herdeiro  de tradições de honra e sabedoria,
herdeiro de pesado brasão dourado.
Lá deixou todas as honrarias e chegou um dia – milagre divino –
à nossa cidade!

É pena, amigo, que não tenhas conhecido a dignidade do Padre Estevam
Diante de todos os mistérios, de todos os ultrajes
e a santidade que o envolveu até a morte e,
tenho certeza, de que depois da morte,
por toda a eternidade!

Vê, amigo, tu já conheces um pouco de Santa Maria,
conheces uma cidade em que todos trabalham,
todos se compreendem, se irmanam, todos dão de si o melhor
pra que haja sempre justiça, paz e amor...